Conhecendo a trajetória dos alimentos | Comida Boa - Do Campo à Mesa

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Conhecendo a trajetória dos alimentos

Conhecendo a trajetória dos alimentos

Que tal, num passe de mágica, descobrir tudo sobre o alimento que você vai consumir?  E tudo isso, usando apenas o seu celular. Se hoje já é possível usar essa tecnologia para buscar detalhes sobre programas de tv, obras de arte em museus e até em acervos de bibliotecas, na área dos alimentos básicos, seguimos na mesma direção. 

A rastreabilidade é cada vez mais comum nos alimentos. Através de QR codes ou número de lotes, podemos acessar muitos dados. Dá pra saber, com exatidão, como aquela maçã foi produzida lá no campo e tudo o que aconteceu com ela no caminho até a sua casa. Assim, o consumidor amplia o seu poder de escolha. 

No mercado, já existem empresas que implantam e gerenciam sistemas de rastreabilidade. Para esclarecer como é que isso tudo funciona, o Comida Boa conversou com um dos fundadores de uma empresa que tem trabalhado junto aos produtores para implantar sistemas de rastreabilidade, Giampaolo Buso. 

No que consiste o trabalho de vocês? 

O nosso trabalho está associado ao monitoramento de qualidade na cadeia de abastecimento de alimentos e bebidas. O nosso enfoque está na rastreabilidade de alimentos permitindo que produtores e comerciantes registrem as etapas e os processos que têm dentro dessa cadeia, desde o produtor até o supermercado, com ferramentas de software, tecnologia e, também análises laboratoriais.

Qual a importância de rastrear os alimentos?

Quando o consumidor tem a possibilidade de consultar um produto rastreado, ele se conecta e se aproxima de quem produziu. Ele conhece as técnicas utilizadas no processo produtivo, o que permite uma relação de corresponsabilidade entre as partes e, muitas vezes, de uma comunicação entre elas. Todas as vezes que existe a possibilidade de olhar pra trás e saber de onde vem o alimento, há uma sensação de conforto. 

Quem realiza a rastreabilidade tem uma responsabilidade explícita, porque está colocando um RG. Nesse caso, adicionar um código que se relaciona a um lote daquela mercadoria,  atestando que está dentro dos padrões seguros para quem for consumir. 

Em relação à sociedade, ela está mais exigente na hora de comprar alimentos?

É muito interessante como estamos todos preocupados com questões ambientais, incluindo mudanças climáticas e discussões  sobre a Amazônia. Temas que passaram a fazer parte de conversas de públicos diversos. 

A única maneira de dizer que fazemos os processos corretos, é dando visibilidade. O consumidor exige e, no meio de uma pandemia, está mais envolvido com o preparo de suas refeições e demandando mais informações. Essas coisas se conectam e dão um dinamismo muito grande para o agro, que precisa se adequar fornecendo dados  sobre a  origem dos alimentos. Um processo que não deve cessar.

Como o consumidor pode acessar essas informações?

Tem alguns caminhos. Para o produto embalado, tem que ter um lote. O lote é a chave de consulta da origem desse alimento, seja ele processado ou in natura. Se nessa embalagem houver também um código, aquele QR Code ou código 2D, é possível fazer a consulta com o celular. Lendo a imagem, ele vai remeter ao elo seguinte e ao produtor. Nesta consulta, normalmente, tem informações detalhadas sobre o produto e fotos do elo anterior e da origem. 

Um grande desafio é em relação à consulta do produto a granel, porque na banca é misturado com outros lotes. Por obrigação e por lei, tem que deixar esse produto nas suas caixas originais, no estoque, ou seja, das centrais de abastecimento e das lojas. Neste estoque, é obrigatório ter identificação via uma etiqueta – a forma física de levar informação da rastreabilidade. Nela, tem os dados do elo anterior e, se possível do lote, através de uma formação alfanumérica ou através do QR Code ou do código 2D.

E como esse trabalho está sendo realizado no Brasil?

Atualmente, nós temos no Brasil alguns programas que estão no caminho de validação, de atestar a qualidade do alimento. A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) tem o programa de rastreabilidade e monitoramento de alimentos onde é feito todo o acompanhamento da mercadoria. 

Os estabelecimentos participantes têm a rastreabilidade por parte dos seus fornecedores e realizam o monitoramento de defensivo químico conduzindo análises laboratoriais. Dentro dessa mesma estrutura, têm as marcas próprias das redes. Essas marcas, no mercado nacional e internacional, são responsáveis diretas por aquela identificação e têm uma preocupação muito grande de referenciar esse nome para o consumidor final. 

E o futuro do agro. Como você enxerga toda essa tecnologia e os impactos que podem ter?

Não consigo olhar para frente e falar qual é o futuro do agronegócio. Estamos vivendo isso e a consequência ou aceleração disso aconteceu na pandemia. Apesar da aceleração digital, todo mundo está muito mais sensível às relações próximas, ou seja, foi uma oportunidade de as pessoas olharem para dentro das suas atividades e verificarem a maneira que isso estava acontecendo. 

Esse é o futuro. O futuro é o que estamos vivendo nesse momento. Estamos buscando mais eficiência, fazer mais com menos para não esgotar os recursos – sejam eles da natureza, do ambiente ou das pessoas – e, também, que sobre tempo para viver esse momento também. 

O agro está vivendo essa situação, está sendo pressionado para se comunicar melhor: explicar para a sociedade como é esse processo produtivo, como é essa lógica de rastreabilidade. Quem está na cidade tem, muitas vezes, uma visão muito romântica do campo. O campo tem um aspecto romântico, mas também tem uma vida muito concreta, muito dura no seu dia a dia, que é uma empresa de céu aberto. Então, conseguir se aproximar através do uso de ferramentas e do conceito de rastreabilidade entre produção e consumo é imprescindível. E é o presente. 

Como tornar esse conceito de rastreabilidade parte da vida de todos?

É o processo de educação. Não tem como implantar o conceito se não temos organização. As pessoas precisam entender que isso faz a vida ficar melhor porque tem mais domínio, dentro de uma operação de produção e de comercialização.

Mas falta, muitas vezes, capacitação. Temos investido muito nesse aspecto com materiais, com conteúdo. Outra maneira, é juntar grupos de pessoas não concorrentes para trocar experiências. É também uma questão bastante lógica, mas muitas vezes não é praticada e ajuda a quebrar as barreiras de uso e de percepção de que aquilo faz sentido na sua rotina. Com isso, assimila, apreende de fato e fica com aquele conhecimento. Isso eleva demais o nível e a velocidade com que as tecnologias são adotadas e implementadas.

A rastreabilidade representa uma oportunidade para conquistar outros mercados, sejam internos ou externos?

Todas as vezes que temos certificações, controles, evidência daquilo que se faz, abrimos portas para o mercado interno e externo. Para exportar, obrigatoriamente, tem que ser certificado. É muito raro um produto não certificado ser comercializado lá fora. Não vou dizer que não existe, mas a grande maioria – principalmente os blocos dos países da Europa e Estados Unidos – exigem certificações para exportar.

Um exemplo: vamos certificar 20 produtores do setor de frutas, legumes e verduras. Para eles, um dos melhores ou maiores impactos, é que essa atenção na organização passe a ser parte do DNA da empresa e dos colaboradores. Tem que montar um esquema interno com times para puxar essa frente de trabalho, mas esse time passa a ser proprietário do processo. No médio e longo prazo, isso liberta o proprietário para uma visão mais estratégica. 

Esses aspectos – rastreabilidade, segurança do alimento, visão sistêmica, consumidor, preocupação com o ambiente – não estão isolados. O que a gente faz em um lugar, vai refletir em outro. Pra mim, o resumo dessa história foi um produtor que em uma reunião disse: quer dizer então que se uma pessoa pisa no tomate, todo mundo escorrega. A minha resposta: É por aí, esse é o caminho.

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