A agricultura é um dos setores mais afetados pelas mudanças climáticas. No Brasil, cerca de 95% das lavouras são dependentes da água da chuva. Então, qualquer fenômeno que altere o regime de chuvas pode prejudicar o desenvolvimento dos cultivos.
Outros fatores climáticos como temperatura, umidade do ar e radiação solar, além de aumentar o apetite e a multiplicação de insetos-pragas, também interferem no crescimento e na produção das plantas. Por isso, acompanhar as condições climáticas ao longo do tempo, armazenar e analisar dados de cada propriedade pode ajudar muito no planejamento das atividades agropecuárias.
A agricultura 4.0 oferece as ferramentas para isso. Desde o sensoriamento remoto do solo e do ar até a identificação de falhas nutricionais ou de áreas atacadas por pragas, as tecnologias digitais representam um grande avanço no monitoramento e planejamento das lavouras. Tudo para trazer qualidade e precisão ao campo.
Na prática, o Brasil ainda precisa vencer alguns desafios para que todos os agricultores tenham acesso às novas tecnologias. Para entender melhor o que vem por aí, conversamos com Herlon Oliveira, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Internet das Coisas (ABINC) e CEO da Agrus Data.
Qual é o papel da agricultura digital no campo?
A agricultura digital reúne um conjunto de tecnologias que auxilia o agricultor nas atividades rurais. Softwares e dispositivos que coletam e depois analisam dados. A quantidade de dados gerados no campo é muito grande. Tem os dados agrometeorológicos (umidade do ar, solo, temperatura, solo, pluviometria), de máquinas, de galpões, de silos. Esses dados, a partir do momento que estão dentro dos servidores, vão ajudar para que ao longo do tempo, nós consigamos que os algoritmos – que são os programas e softwares que analisam esses dados – fiquem cada vez mais inteligentes e consigam entregar cada vez mais informações precisas.
A agricultura digital começou com uma tecnologia que chama RTK – de orientação espacial das máquinas. Ela direciona a máquina dentro das linhas perfeitas para que não pise, não passe dentro de uma outra linha de plantio, estrague aquela plantação ou que seja aplicado insumo onde não deveria. Essa foi a primeira tecnologia de conhecimento do agricultor que se chamou de agricultura de precisão. Eu sempre gosto de dizer o seguinte: a agricultura digital é uma peça da agricultura de precisão.
E como esses dados ajudam o produtor?
O que esses softwares fazem com esses dados – tanto os que estão sendo coletados em tempo real quanto os que estão armazenados há muitos anos – é, basicamente, aprender com eles e analisar uma situação numa linha de tempo. Por exemplo, eles conseguem enxergar qual foi o resultado em anos anteriores de chuvas, de seca ou de plantio. Com essa analogia entre os parâmetros e os dados que foram coletados e o resultado gerado naquela situação do passado, o produtor projetar o futuro. É o preditivo: a partir do meu aprendizado com o que aconteceu eu consigo prever o que pode acontecer no futuro.
Como a agricultura digital pode reduzir ou combater os impactos das mudanças climáticas no campo?
A visão mais importante que o agricultor tem que ter é que existe todo esse monitoramento global de mudanças climáticas. Mas o que vai realmente impactar na produção dele é conhecer as condições de microclima em cada talhão, em cada parcela da fazenda. Não adianta ter uma análise climática de uma região de 100 quilômetros. Você tem que ter muita precisão nos dados que são coletados para entregar precisão na análise climática daquele talhão.
O grande exemplo é o da irrigação. A água é um recurso escasso. Quando você faz irrigação, usa um outro recurso que é a energia elétrica. Efetivamente, a irrigação é um insumo que tem um custo alto, tanto do ponto de vista climático quanto para o bolso do agricultor mesmo. A agricultura, principalmente intensiva, de céu aberto, é intimamente dependente do clima e, qualquer alteração, vai alterar a maneira de que o agricultor produz.
E como essas tecnologias reduzem os riscos na produção?
A agricultura digital não só vai impactar na utilização desse insumo de maneira mais precisa, mas também vai acompanhar a mudança climática de uma maneira geral. Eu sempre digo: na agricultura digital, não basta você ter os da última colheita. O importante é ter da anterior, das anteriores. Vai levar um tempo para fazer, mas quando o agricultor guarda esses dados, começa a monitorar muito intimamente qualquer pequena mudança climática.
Se no ano passado, a temperatura foi de 28, esse ano é 29, o outro é 30, já é um alerta. Se a pluviometria foi um pouco menos ou um pouco mais, todos esses fatores, a partir do momento que são monitorados 24 horas por dia, vão auxiliar no futuro. Com isso, você tem uma visão antecipada para se planejar. Basicamente, a agricultura digital funciona como uma bola de cristal, como eu sei o que aconteceu no seu passado eu consigo imaginar o que vai acontecer no seu futuro.
A agricultura digital é um dos caminhos pra garantir segurança alimentar?
O grande desafio da humanidade é alimentar uma quantidade cada vez maior da nossa população. Com a agricultura digital, com esse processo todo controlado desde a semente até a colheita e armazenagem, efetivamente, a gente vai conseguir produzir muito mais alimento em um espaço cada vez menor. E de uma maneira mais eficiente que consiga controlar qualquer dano ao meio ambiente antes mesmo dele acontecer.
Frente ao desafio de alimentar, eu dividiria em dois grandes ramos onde a agricultura digital pode impactar. O primeiro é na produção como ela é hoje, na melhoria de processos. Tem que conferir segurança, menor uso de insumos, maior lucratividade e uso menor de espaço. Isso é o que está acontecendo nesse momento. Outro ramo, que é um pouquinho diferente, é o de criar novos processos de produção. Um exemplo, tem uma companhia hoje nos EUA criando galpões enormes como se fossem fábricas de automóveis para produção de tomate e pepino mais próximo do consumo. Isso é uma mudança completa do jogo de sair da terra, sair da agricultura convencional e ir para uma agricultura completamente diferente e já automatizada onde você controla nutrição, pragas, temperatura, uso de água, dentro de estruturas 100% controladas.
E como ter acesso a toda essa tecnologia?
Importante dizer que a agricultura digital não é o futuro, ela é o presente, já está aqui. Na minha visão, a grande barreira de adoção da agricultura digital, hoje, não é a tecnologia. O desafio está na difusão das tecnologias. De uma maneira geral, a responsabilidade da difusão da agricultura digital está com os nossos governantes e as entidades de classe que apoiam os agricultores, principalmente os pequenos.
Os 3 principais pontos que a agricultura digital traz para o agricultor são:
– Deixar mais “verde” o que ele está produzindo: porque produz melhor, usa menos insumos, agride menos o meio ambiente;
– Lucratividade – para que tenha lucro, tem que custar menos produzir o alimento. Assim, se permaneça na terra e, especialmente, se estimula os jovens para que fiquem na atividade que é super importante. Eu acho que a agricultura digital vai trazer os jovens de novo para o campo. E
– Segurança – como é uma atividade a céu aberto, tenho que ter um arcabouço de seguros, não só baseado no governo, mas na iniciativa privada também que utiliza essa tecnologia pra gerar produtos seguros.